Foi publicada hoje, 23 de setembro de 2025, no Diário Oficial da Cidade de São Paulo, a Portaria nº 105/SMADS/2025, que regulamenta o recebimento de doações e a formalização do trabalho voluntário dentro dos equipamentos de acolhimento diretamente geridos pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. O texto pode parecer técnico e burocrático, mas traz implicações profundas e preocupantes para o futuro da assistência social na cidade.
Na prática, a norma permite que a SMADS firme acordos de cooperação com pessoas físicas, entidades e até organizações religiosas para disponibilizar voluntários em abrigos, centros e casas de acolhida. Os voluntários passam a assinar termos de adesão específicos, sem qualquer vínculo trabalhista, mas atuando de forma regular e supervisionada pelos servidores da pasta. Além disso, a Portaria abre espaço para que doações de serviços inclusive os contínuos e complexos sejam formalizadas sem repasse de recursos públicos. Isso significa que atividades permanentes dos serviços socioassistenciais poderão ser assumidas gratuitamente por equipes voluntárias.
O problema é que a assistência social, desde a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é um direito do cidadão e dever do Estado, não um favor sustentado pela boa vontade de voluntários ou filantropos. O SUAS, Sistema Único de Assistência Social, foi criado justamente para superar a lógica da caridade e da benemerência, garantindo que os serviços sejam ofertados de forma contínua, qualificada e financiada pelo poder público. Quando a Secretaria institucionaliza a presença de voluntários dentro dos equipamentos, corre-se o risco de normalizar a substituição de profissionais remunerados por mão de obra gratuita.
Essa medida ameaça diretamente os trabalhadores da assistência social. Em vez de ampliar equipes e valorizar o trabalho técnico, a Portaria abre uma brecha para que rotinas inteiras, como oficinas, acolhidas, atendimentos ou atividades de manutenção, passem a ser feitas por voluntários. É um passo perigoso rumo à precarização, que pode reduzir contratações, esvaziar funções e enfraquecer a proteção trabalhista de quem atua na ponta.
Outro ponto alarmante é a abertura para entidades religiosas organizarem grupos de voluntários dentro dos serviços públicos. Isso fere a laicidade da política socioassistencial e recoloca usuários e trabalhadores diante do risco de práticas de proselitismo e da ideia de que a assistência é “um favor”, não um direito.
Diante disso, o Fórum da Assistência Social de São Paulo manifesta seu repúdio veemente à Portaria nº 105/2025. Consideramos que o ato representa um grave retrocesso e uma afronta aos princípios constitucionais da assistência social, além de colocar em risco tanto os trabalhadores quanto os usuários da política pública. O Fórum levará o tema para debate no Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS), dialogará com o Ministério Público, com o sindicato patronal e com o sindicato dos trabalhadores, além de analisar juridicamente as medidas cabíveis para questionar essa portaria.
A assistência social não pode voltar ao tempo da benemerência. Ela é direito garantido por lei, deve ser financiada com recursos públicos e executada por profissionais qualificados. O que a Portaria nº 105/2025 faz é abrir caminho para o desmonte silencioso do SUAS em São Paulo.
TRECHO ATUALIZADO AS 12:17 DE 23/09/2025 :
A Senhora secretária acabou de divulgar nota a respeito da portaria 105 publicada hoje. Trazemos ao conhecimento de todos a posição da pasta sobre o tema. Em que pese os esclarecimentos o FAS mantém a sua posição inicial sobre a portaria que parece ser muito mais ampla e complexa que apenas buscar suprir supostas brechas normativas de ação de voluntariado na rede. Uma leitura ainda que superficial na própria portaria deixa isso bem evidente. Segue o texto da nota :
"Nota de Esclarecimento sobre a Portaria SMADS referente à Benemerência
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) esclarece, por meio desta nota, que a Portaria publicada não visa substituir profissionais por voluntários, mas sim regulamentar e dar transparência às ações de benemerência, doação e voluntariado no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
É crucial desmistificar a interpretação de que esta medida seria um "retrocesso grave". A legislação federal (Leis nº 13.019/2014 e nº 9.608/1998) já prevê a possibilidade de parcerias não financeiras e de serviço voluntário, e a nova portaria apenas formaliza e estabelece os procedimentos para que essas colaborações ocorram de forma clara e segura, sem vínculo empregatício.
O objetivo é complementar e enriquecer os serviços socioassistenciais, permitindo a participação da sociedade civil e de pessoas físicas e jurídicas na promoção da qualidade de vida dos usuários. A portaria reforça que as parcerias de voluntariado devem ser formalizadas por Acordo de Cooperação, com a assinatura de Termo de Adesão ao Serviço Voluntário, e que todas as atividades serão supervisionadas por servidores da SMADS.
É importante ressaltar que a portaria não desvaloriza o trabalho profissional, fundamental para a política pública de assistência social. Pelo contrário, ela estabelece um arcabouço legal para que a participação da sociedade em ações de solidariedade e voluntariado ocorra em conformidade com as diretrizes do SUAS, garantindo o controle e a transparência necessários. A mobilização da sociedade é bem-vinda, não para combater a portaria, mas para fiscalizar e apoiar a sua correta aplicação, assegurando que o voluntariado seja sempre um apoio e complemento, e jamais uma substituição do quadro de profissionais."
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